A Pedra no Lago (conto)


Era uma vez, e não era, um lugar perdido na dispersão da mente, habitado por seres de toda espécie, com múltiplos estilos de vida, que viviam de acordo com seus humores. Neste aglomerado de possibilidades, havia um lugar distinto, uma vila num vale com pessoas da terra, água, fogo e ar, que apesar das diferenças, conseguiam manter a harmonia e a cooperação. Elas tinham uma disposição genuína no coração para mudar a si mesmas e servir aos outros. Tal atitude era fruto da visita de Sábios viajantes que costumavam passar por lá para desfrutar da quietude e abundância do vale, meditar e ensinar.  Mas também era fruto da energia de uma velha eremita que habitava uma das cavernas do grande rochedo.


Não podemos dizer que uma eremita seja uma pessoa muito sociável, de fato tal velha não era de muita conversa, muito menos fiada. Mas ela tinha uma bondade genuína, espontânea, livre, amorosa, sem palavras e atos. Ela atraía ao mesmo tempo uma curiosidade e um respeito pela sua vida retirada. E as pessoas da vila sabiam que quando fosse necessário se encontrarem com a Velha do Vale, elas a encontrariam.

Era com essa certeza no coração, que o jovem Lírio caminhava todos os dias pelo vale no final da tarde. Ele precisava de respostas, ele precisava de uma orientação no seu caminho. Sua mente divagava em várias fantasias e possibilidades, crenças e autopunições. Ele pedia todos os dias para se encontrar com a Velha do Vale, ansiava isso em seu coração. Foi, então, que num certo dia, quando Lírio estava no lago, sentado de baixo de uma árvore, perdido em seus pensamentos, que de repente viu do nada uma pedra cair no lago. De início ele ficou hipnotizado com as ondas que a pedra fez na água ao cair nela. Por alguns instantes, sua mente se livrou do turbilhão de pensamentos.

Logo depois, Lírio olhou a sua volta procurando quem havia jogado a pedra. Uma jovem mulher estava parada logo atrás de onde ele estava. Ele nunca tinha a visto no vale. Ela vestia um punjab (roupa indiana) branco com detalhes dourados, tinha o cabelo escuro, liso e preso numa trança. E olhava para ele serenamente.

“Quem é você?”
“Eu sou quem você procura.”
“Mas eu procuro a Velha do Vale.”
“Então, eu sou a Velha do Vale!”
“Não, não, você não é! Está querendo gozar de mim? Você é jovem e bonita, não pode ser a velha que procuro.”
“Se você pensa assim, então vou embora.”
“Não. Espere! Você não sabe como posso encontrá-la?”
“Você me encontra, mas não me vê, e ainda pergunta como pode me encontrar?”

Logo que a misteriosa jovem disse isso, desapareceu furtivamente pelas folhagens. Lírio tentou ir atrás dela, mas não conseguiu alcança-la. Então parou para descansar, pois sua mente ficou aturdida e confusa. Não conseguia entender o que havia se passado. A pedra, o silêncio, a voz e a presença daquela mulher... Pensativo, ele voltou para casa, pois já estava anoitecendo. Naquela noite dormiu profundamente como a muito tempo não dormia, e teve um sonho repetidamente: uma mão velha de mulher, uma pedra no lago, o barulho da pedra na água, as ondas que a pedra fazia, o silêncio.

No dia seguinte, após ajudar seu pai nas atividades de casa, e estudar alguns temas com o orador da vila, Lírio foi fazer o seu passeio na floresta. Dirigiu-se para o lago, e como num impulso, sentou, pegou uma pedra e a jogou na água.... Observou as ondas que a pedra fazia, e sua mente por um instante se aquietou. Em seguida, ele contemplou sobre o estado comum de sua mente: a agitação, a confusão a falta de clareza... Uma fofoca mental constante. Depois, pegou outra pedra e jogou no lago... Observou o movimento e de novo experimentou uma calma mental, um estado de serenidade.

Nos dias seguintes, Lírio passou a conservar o hábito de sentar no lago, pensar sobre sua vida e jogar a pedra. À medida que foi fazendo isso, ele foi percebendo algumas mudanças: sua mente passava a manter por mais tempo a calma refletida da pedra no lago. Ele passou a observar que conseguia escutar mais as pessoas e não se envolver tanto com o que elas diziam, usando mais o seu discernimento. Percebeu que nos momentos que estava no lago, conseguia escutar mais o seu coração, ouvir com uma mente um pouco mais profunda; e que ao jogar a pedra, sua mente não ficava mais atenta as ondas, mas ao movimento da pedra descendo até o fundo da água cristalina. Era um outro tipo de experiência, serenidade e alegria genuína.

Apesar de não entender bem o que estava acontecendo, pois muitas vezes no passado havia jogado uma pedra no lago, sem que nada disso tivesse acontecido, Lírio continuou fazendo o exercício da pedra, dia após dia. O intervalo entre uma pedra e outra aumentava, pois aumentava o período em que permanecia experimentando o estado calmo da mente. Até que num certo dia, ao olhar uma pedra cair no fundo do lago, ele viu, no reflexo da água, o semblante de uma velha. Olhou para trás de si mesmo e viu a jovem que havia encontrado dias atrás. Olhou de novo para a água e viu o reflexo de uma velha. Quando se virou para falar com a jovem mulher, se deparou com a Velha do Vale. Ficou meio confuso por alguns instantes, mas sua mente já estava sendo treinada no calmo permanecer. Então, focou sua mente e olhou a Velha com atenção.

Ela tinha os cabelos grisalhos, usava uma túnica de algodão cru, tinha um olhar firme e forte, e ao mesmo tempo um ar sereno e compassivo. Olhando para ele, a Velha disse:

“A aparência das coisas é como o halo que a pedra faz quando é jogada na água: em um certo momento se desfaz. A natureza de sua mente é como a profundidade silenciosa do lago.”

Lírio ficou um pouco pensativo e respondeu:

“Eu pude vivenciar um pouco disso durante esse tempo em que tenho vindo aqui. E o mais surpreendente é que fui encontrando as respostas que precisava, e que antes queria perguntar a você. Fui também ao encontro de velhos demônios internos, e conversando com eles, descobrindo suas reais necessidades, vi que eles se transformaram em protetores. Descobri que cultivava crenças que não me serviam mais, e que isso estava me aprisionando. Não conseguia de fato enxergar o que se passava dentro de mim, porque minha mente dispersa não deixava. A pedra no lago foi curando minha dispersão e abrindo um espaço para me escutar. Então, tudo ficou mais claro. E agora que estou diante de você, não sei mais o que perguntar.”

“Que bom! Eu só estava mesmo de passagem!” – E sorrindo, a Velha do Vale se pôs em retirada.

Observando ela desaparecer entre as folhagens, Lírio se deparou com mais uma evidência: a pedra havia falado pela Velha; suas bênçãos e compaixão estavam por trás de sua experiência, guiando-o sabiamente. Naquele exato momento, ele percebeu que a Velha do Vale era inseparável dele e daquele lugar.

Com carinho,

Juliene Macedo
Brasília, 2011.