A Senhora disse Bus?

Era uma vez, e não era, uma mulher que vivia sozinha numa tapera. Era simples o seu lar, mas ela tinha tudo que precisava na terra que seus pais lhe deixaram de herança, onde aprendeu a plantar e a cultivar.

Um certo dia, um homem letrado passou por lá com seu carro possante. Estava perdido, sem GPS e precisa de água para o seu carburador, quero dizer, o carburador do carro. Então, ele foi até a casinha da mulher pedir água e orientação por onde ir naquela terra de chão sem fim.

Vendo o lugar isolado e simples que a mulher vivia, apesar da pequena plantação que a provia, o homem a questionou como podia viver assim. "Você já foi numa cidade, senhora?" E começou a contar as maravilhas que uma cidade tinha e o quanto seria bom para ela viver junto a outras pessoas, num lugar civilizado, do que exilada ali. 

"Mas eu tenho meus cumpadres!", exclamou a velha mulher.
"Mas quem vai cuidar da senhora, se adoecer?!", retrucou ele veementemente.
"Tem a D. Benta, curandeira daqui. Muito boa mesmo!"
"E se a senhora ficar doente, quem vai chamar D. Benta?!"
"Se a senhora quiser, ajudo a vender suas terras e comprar uma casinha na cidade! A senhora pode alugá-la e vir morar com minha família ajudando nas tarefas da casa. Gostei da senhora!!"
"Meu filho, gostei de você também!!!"
"A senhora vai ver, sua vida vai melhorar!"

O homem estava emocionado por poder ajudar alguém, e realmente tinha gostado daquela senhora. Era como se já a conhecesse a muito tempo. E assim, a velha mulher pegou seus trapos e foi com o doutor letrado para a cidade. Ele ia providenciar toda a papelada para a venda do sítio. Mas daí algo aconteceu, depois de duas semanas lá na cidade, a velha senhora começou a adoecer, seu peito começou a doer e ela estava bem desanimada. Então, o homem letrado a levou para um hospital e a velha senhora desanimada teve que ficar internada, para que a gripe que a estava derrubando não virasse coisa pior. "Viu como foi bom a senhora vir para cá?! Se tivesse adoecido lá na casinha no meio do mato teria morrido!"

Atarefado com sua vida, o doutor letrado só voltou ao hospital dois dias depois. Para sua grande surpresa e velha senhora desanimada não estava lá. Simplesmente desapareceu naquela manhã. Ele ficou indignado, como ninguém fez nada?! Como uma velha doente simplesmente podia desaparecer?!! Preocupado, o homem acionou a polícia e nada. Nada da velha desanimada. Então, ele terminou desistindo de procurar por ela. Não tinha tempo.

Dois meses depois, o homem letrado estava de novo naquela mesma estrada, e de novo perdido, sem GPS, mas dessa vez com água no carburador... Ele se lembrou onde ficava o sítio da velha senhora. "Será que ela poderia estar lá?!", se perguntou pensativo. E não é que estava? Ainda por cima cuidando de seu jardim. Engraçado que ele não tinha percebido o jardim da outra vez e nem mesmo que a casinha da velha era de cor azul com janelas rosas. Mas estava feliz por vê-la bem.

"A senhora está viva!!"
"Sim, meu filho, estou vivinha da silva!
"Por que a senhora fugiu?"
"Pra não morrer, meu filho. Se eu ficasse lá, eu ia morrer! Já tava até vendo o caixão!!!"
"E como a senhora voltou sozinha para cá, sem dinheiro?!"
"Eu sou velha, mas não sou burra. Pedi dinheiro para o Bus e voltei. Sabe que o povo ainda tem compaixão por gente velha?! D. Benta me passou uns chás, uns remedinhos caseiros de ervas e uns banhos... Fiquei boazinha. Sua cidade é maravilhosa pra você, meu filho. Para mim, aqui é melhor. Fiquei encantada com seu discurso de doutor letrado, que terminei esquecendo do que meu avô falava: "Nunca saia do lugar onde seu coração está minha filha, pois onde ele está, está a sua alma. E quando ele disser vá embora, também não tenha medo, vá!!!" Meu avô era muito sabido!"
"A senhora disse Bus?!"

Juliene Macedo
Bsb, 03/03/2018